v. 1 n. 1 (2022)

					Visualizar v. 1 n. 1 (2022)

Volume 1, Número 1, Ano: 2022, ISSN: 2965-1522
DOI: https://doi.org/10.29327/2309399.1.1

EDITORIAL

É com satisfação que inauguramos as publicações da Aondê: Revista de Pesquisa em Educação em Ciências e Matemática, ligada ao Programa de Pós-graduação em educação em Ciências  e Matemática da Universidade Federal de São Carlos, campus Araras. Para o início desta conversa, é importante que o leitor conheça nossa origem e nossa missão. Aondê é uma palavra originária da língua Tupi-Guarani e significa coruja, animal que é símbolo do nosso programa de pós-graduação, por significar conhecimento, ao mesmo tempo em que é uma ave muito presente em nosso campus, fazendo parte da nossa vida acadêmica. Algumas delas já foram modelos para fotografias incríveis, inclusive aquelas que ilustram os sites do PPG e da revista. Assim, podemos dizer que este animal representa muito do que somos e sobre como concebemos este ambiente acadêmico, numa integração forte entre ensino, pesquisa, extensão e ciências da natureza.

Partindo de uma reconstrução histórica, os cursos de licenciatura em física, em química e em ciências biológicas deste campus tiveram origem em 2009, e desde 2017, o PPG em educação em ciências e matemática tem possibilitado a continuidade na formação de professores e professoras que fizeram a graduação neste campus, bem como de professores e professoras que atuam na região de Araras-SP. A revista surge, portanto, a partir de um conjunto de ações que dão visibilidade ao programa, com o compromisso de comunicar ciências com qualidade, em interação com a comunidade da área de ensino de ciências e matemática. 

Assim, este primeiro volume é composto por trabalhos que foram inicialmente apresentados pelos participantes do III e do IV Encontro de Educação em Ciências e Matemática, evento promovido pelo PPG. Estes trabalhos foram submetidos à avaliação dos pares, com critérios de análise sistemáticos para fins de oferecer uma produção de qualidade, de modo que procuramos estrear a revista com trabalhos que representassem também uma construção histórica da pós-graduação. 

Os Encontros de Educação em Ciências e Matemática (EEdCeM) são organizados por estudantes e docentes do PPGEdCeM e ocorrem anualmente. O III encontro foi realizado em dezembro de 2020, e foi o maior até o momento. Foram submetidos 63 trabalhos para apresentação oral, dos quais 38 foram aprovados e houve 674 participantes, entre apresentadores de trabalhos, ouvintes e palestrantes. O evento teve participantes de vários estados do país e também do exterior. O III e IV encontros foram virtuais, devido às condições sanitárias provocadas pela pandemia do vírus Sars-Cov 2 (Covid-19) . Esses espaços possibilitaram ampliar as aprendizagens de estudantes de pós e de graduação, de professores da educação básica e do ensino superior, além de diferentes profissionais da educação. Os espaços de diálogo ocorreram a partir das palestras, mesas-redondas, apresentação de trabalhos e minicursos.

Estas iniciativas acontecem como uma expressão da formação que resiste, tanto à epidemia de COVID-19, quanto aos constantes ataques que a ciência, a tecnologia e a educação têm sofrido no Brasil. A pandemia nos ensinou lições importantes sobre a menoridade da humanidade com relação à natureza, mostrando que os sistemas que têm regido a sociedade são frágeis e desumanos, acarretando na morte de milhões de pessoas em todo o mundo, principalmente das pessoas mais pobres e desassistidas. Foram escancaradas as diferenças de classe, raça e gênero em todo o globo, com o aumento da fome e da miséria, da violência doméstica contra crianças, idosos e mulheres e, claro, as consequências educacionais para toda uma geração, que por falta de acesso à internet, incentivo ou mesmo adaptação quanto aos meios de educação online, foram submetidas a uma pseudoformação ou uma formação conteudista pouco efetiva e deficiente.

Ocorre que as escolas, assim como os(as) docentes, não estavam preparados logisticamente nem tampouco formativamente para lidar com o ensino remoto, conforme demonstrado por pesquisa realizada pelo Instituto Península, antes mesmo da suspensão das aulas presenciais. Por meio de um survey online e de amostra por conveniência realizado com 2.400 professores da educação básica, foi constatado que 88% deles não tinham ministrado aulas remotamente, sendo que 83% declararam, à época, que não se sentiam preparados para ministrar aulas neste formato (INSTITUTO PENÍNSULA, 2020).

Ainda vivemos a crise educacional descrita por Darcy Ribeiro como o projeto social brasileiro, que se perpetua a cada novo governo e encontrou respaldo ainda maior nos movimentos neoconservadores que se expandem pela América Latina nos últimos anos e, no Brasil, em especial, com os cortes de verba para o desenvolvimento da ciência e da tecnologia. Estes movimentos tomam para si um ataque direto à educação humanista, com preceitos de justiça social, em atenção aos movimentos negro, indígenas, LGBTQIA+, feministas, sem terra, sem teto, ambientalistas entre tantos outros. Diante tal retrocesso, as instituições de ensino e pesquisa resistem, sobrevivem e lutam para congregar pessoas interessadas na formação verdadeira, comunicativa e inclusiva.

Os impactos da pandemia, não só evidenciaram as discrepâncias sociais e econômicas como intensificaram situações excludentes nos mais diferentes setores da sociedade. Ao redor do mundo tivemos bons exemplos de tentativas de contenção e controle da pandemia. Mas também presenciamos, assombrados, em determinados países, o descaso com a ciência e a tentativa de priorização da economia em detrimento da vida. 

Não obstante, não é possível deixar de apontar ações exitosas e preocupadas com problemas abrangentes. Questões de saúde e imunização são fundamentais. Por outro lado, problemas sociais decorrentes da pandemia também merecem atenção especial e precisam ser priorizados. A recuperação local depende de ações globais e abrangentes. A recuperação econômica pode ser algo que vem sendo motivo de preocupação e destaque da mídia. Mas não é possível esquecer que os esforços coletivos oferecem uma oportunidade histórica de reinventar ações sociais que sejam capazes de priorizar os direitos humanos, buscando a constituição de uma sociedade mais equânime. Nesse sentido, o mundo não pode abrir mão da educação científica para a recuperação da crise. 

Os esforços de recuperação socioeconômica não só podem, como devem, propositalmente ser projetados a partir de ações que estimulem a equidade, a resiliência, a sustentabilidade e o progresso social, rumo a uma sociedade realmente inclusiva. 

Dessa forma, por mais paradoxal que possa parecer, a pandemia também pode oferecer oportunidade para transformações sociais necessárias e urgentes sejam de fato implementadas (ONU, 2020a, 2020b). 

Assim, reafirmamos nosso compromisso em elaborar conhecimentos junto à sociedade, atuando em diversos âmbitos, como o ensino de graduação, pós-graduação, na publicação desta revista, em eventos científicos etc., numa relação comunicativa e formativa, compreendendo o momento presente e atendendo às necessidades de uma sociedade mais justa e igualitária. 

Neste sentido, a revista Aondê apresenta seu primeiro volume como mais um símbolo de resistência neste momento, e também como um sonho que se realiza nesse caminhar junto, aprendendo sempre. Nas palavras de Paulo Freire: “É que ninguém caminha sem aprender a caminhar, sem aprender a fazer o caminho caminhando, sem aprender a refazer, a retocar o sonho por causa do qual a gente se pôs a caminhar.” 

Para este volume inaugural, também gostaríamos de ressaltar a diversidade de temas, tipos de pesquisa, perspectivas de ensino e referenciais teóricos apresentados, além dos diversos campos de atuação dos autores, o que possibilita ao leitor uma imersão na pesquisa em ensino de ciências, de acordo com as suas tendências mais atuais. Há pesquisas de campo, bem como do tipo bibliográficas e discussões teóricas que dão este caráter amplo e diverso da publicação, aspectos pelos quais prezamos e esperamos poder dar continuidade ao longo da existência da Aondê.

Nataly Carvalho Lopes   Isabela Talora Bozzini   Estéfano Vizconde Veraszto   Editores
Publicado: 2022-02-23